Vertentes do mar – sonhando

Ando sonhando que São João Del-Rei é banhada pelo mar.

Uns ligam o sonho à premonição. E aí vem aquela enxurrada de profecias sem profeta, de previsões sem futuro: Sonhou com abacaxi? Terá um encontro amoroso. Sonhou com água inundando a casa? Você vai se mudar de domicílio. Sonhou com baleia? Você receberá uma ajuda inesperada. O quê? Você sonhou com cobra? Fique alegre, pois tem uma herança vindo pra você…

E nada disso acontece, tal qual adivinhação fuleira de horóscopo.
Outros relacionam sonhos a simbolismos. E a cama vira um parque esotérico: Sonhar com escorpião significa traição. Se você sonhou com cigana lendo a sorte, então seu casamento está infeliz. Sonhar com sal traduz saúde. Sonhar com carnaval significa alegria seguida de decepção…
Para mim, sonho não tem futuro nem pertence a códigos secretos. Para mim, sonho é desejo. Sonhar com algo é desejar esse algo, mesmo que o recriminemos. Porém, toda essa artilharia onírica é assunto de psicanalistas e psicólogos em mesa de boteco. Eu cá me contento com os meus sonhos desejados e meus desejos sonhados.
Ando sonhando que São João Del-Rei é banhada pelo mar. Sonho muito com isso. Logo, de acordo comigo mesmo, desejo que São João Del-Rei seja uma cidade litorânea.
Já pensou nisso? Nosso turismo, dessa vez, iria alavancar… mesmo sendo de bote. As praias de São João Del-Rei… nomes charmosos elas receberiam: Praia do Lenheiro, Praia da Biquinha, Praia da Estação, Praia do Porto, Praia de Santa Cruz…
Ao longo do cais, a nossa orla, com as barracas de mariscos e frutos do mar, todas elas com um pé na tradição e o outro no mar: Voluta do Camarão, Beco do Siri, Torre do Bacalhau, Infantaria da Água de Coco…
Teria até passeio de escuna. As escunas receberiam nomes como Enseada Barroca, Capelinha da Maré, Sino das Ostras, Trenzinho das Ondas… Os roteiros seriam os mais variados. Haveria escuna para levar os turistas a lugares onde veriam bichos de nossa região: a Travessia da Ponte dos Cachorros, a Queda d’Água no Buraco do Sapo, a Maré Alta no Recanto do Bezerrão, o Remanso do Córrego da Galinha.
Outras escunas levariam a roteiros mais exóticos. Turistas e mais turistas, todos fotografando as ondas morrendo no Morro da Forca, a maresia do Arraial das Cabeças, a ressaca do Cassoco e o refugo do Matadouro.
E aí, eu acordo. Acordo sem embarcar em escuna alguma. Acordo sem saborear os mariscos coloniais. Acordo sem molhar meus pés na água salgada. Mas vejo que São João Del-Rei tem praia, tem cais, tem porto… Quando a noite chegar, vou sonhar outra vez. Vou desejar outra vez. São João Del-Rei lavada pelo mar e acariciada pelas ondas… maré alta de progresso e maré baixa de indiferença…
À noite, vou dormir e sonhar meu desejo, utopia singela de quem sempre navegou nessa terra. E já me vejo avançando sobre as ondas que vão e vêm na cadência de meu ressonar. Subo na prancha e me equilibro sobre as águas revoltas do desejo, que nem surfista rococó.

Crônica publicada no caderno DIVERSOS da Folha das Vertentes da linda São João del-Rei, MG


1 comentário

  1. Arlete Aparecida Dias dos Santos disse:

    sempre tiver interesse em saber algo relacionado ao meu nome

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